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26 de agosto de 2010

Porteiro do puteiro

Não havia no povoado pior ofício do que o de porteiro do puteiro. Mas,
que outra coisa poderia fazer Juvenal, que nunca tinha aprendido a ler
nem escrever e não tinha nenhuma outra atividade ou ofício? Certo dia,
um jovem cheio de idéias, criativo e empreendedor, foi contratado como
gerente do puteiro. Sua primeira decisão gerencial foi modernizar o
estabelecimento. Providenciou a compra de mobiliário moderno,
informatizou todo o estabelecimento, efetuou as devidas mudanças e
chamou os funcionários para as novas instruções.

Dirigindo-se a Juvenal, disse: "A partir de hoje, o senhor, além de
ficar na portaria, vai preparar um relatório semanal, onde registrará
a quantidade de pessoas que entram e seus comentários e reclamações
sobre os serviços" . "Eu adoraria fazer isso, senhor" , balbuciou o
porteiro, "mas eu não sei ler nem escrever" . O gerente disse: "Ah,
que pena! Eu sinto muito, mas nesse caso o senhor não poderá continuar
trabalhando aqui" . O porteiro, aflito, reclamou: "Mas, senhor, eu não
posso ser despedido! Eu trabalhei nisto a minha vida inteira, não sei
fazer outra coisa!" . Friamente, o gerente respondeu: "Olhe, eu
compreendo, mas não posso fazer nada pelo Senhor. Vamos dar-lhe uma
boa indenização e espero que encontre algo para fazer. Eu sinto muito.
Tenha boa sorte" .

Assim dizendo, deu meia volta e continuou a sua palestra para os
demais funcionários. O porteiro sentiu como se o mundo desmoronasse. E
agora, onde arrumar um novo trabalho? Lembrou que no prostíbulo,
quando quebrava alguma cadeira ou mesa, ele a arrumava, com cuidado e
carinho. Concluiu que esta poderia ser uma boa ocupação, até conseguir
um emprego. Mas não tinha ferramentas, além de alguns pregos
enferrujados e um alicate mal conservado. Resolveu então que usaria o
dinheiro da indenização para comprar uma caixa de ferramentas
completa. Como o povoado não tinha uma loja de ferragens, deveria
viajar dois dias em uma mula, até a cidade mais próxima, para comprar
o que pretendia. E assim fez.

No seu regresso, um vizinho bateu à sua porta: "Bom dia, Juvenal! Por
acaso você tem um martelo para me emprestar?" . O porteiro respondeu:
"Sim, acabo de comprá-lo, mas eu preciso dele para trabalhar, pois
agora não tenho mais o meu antigo emprego, e…" . O vizinho,
interrompendo-o, disse: "Eu o devolverei amanhã bem cedo!" . "Se é
assim, está bem" , disse Juvenal. Na manhã seguinte, como havia
prometido, o vizinho bateu à porta e disse: "Juvenal, eu ainda preciso
do martelo. O senhor quer vendê-lo para mim?" . Decidido, Juvenal
respondeu: "Não posso. Eu preciso dele para trabalhar e, além disso,
para comprar outro, precisarei viajar dois dias em lombo de mula…" .
"Vamos fazer um trato" , disse o vizinho. "Eu pagarei o preço que o
senhor determinar no martelo, mais as suas despesas de viagem, já que
está sem trabalho no momento. Que tal? Aceita?" .

Surpreso, Juvenal concluiu que realmente tal proposta lhe daria mais
algum trabalho e lucro. Aceitou a oferta e, montando na sua mula,
partiu para mais uma viagem de dois dias até a cidade. Ao regressar,
encontrou outro vizinho que o esperava na porta de sua casa. "Olá,
Juvenal! Fiquei sabendo que você vendeu um martelo ao nosso amigo e,
como eu necessito de algumas ferramentas, estou disposto a lhe pagar
os dias de viagem e mais um pequeno lucro, para que você as compre
para mim, pois não disponho de tempo para fazer essa compra. Que lhe
parece?" . Sem pestanejar, o ex-porteiro abriu sua caixa de
ferramentas e seu vizinho escolheu um alicate, uma chave de fenda, um
martelo e uma talhadeira. Pagou o preço pedido por Juvenal, sem
questionar, e foi embora. Enquanto isso, Juvenal pensava no que o
vizinho disse: "não disponho de tempo para fazer essa compra…" .

Percebeu que essa deveria ser a situação atual de vários moradores
daquele vilarejo. E se assim fosse, muita gente deveria estar
precisando de ferramentas. Na viagem seguinte, investiu um pouco mais
de dinheiro, trazendo mais ferramentas do que as encomendas e
necessidade. Assim agindo, concluiu que poderia economizar o tempo
gasto nas viagens e ainda obter algum lucro na venda das ferramentas.
Sua fama começou a se espalhar pelo povoado e muitos, querendo
economizar a viagem, compravam suas ferramentas ou faziam encomendas.
Juvenal, agora como vendedor de ferramentas, viajava uma vez por
semana e trazia o que precisavam seus clientes. Com o tempo, alugou um
galpão para estocar as ferramentas e alguns meses depois, comprou uma
vitrine e um balcão e transformou o galpão na primeira loja de
ferragens do povoado.

Juvenal era atencioso, educado e prestativo com os clientes, cativando
a simpatia de todos, e assim todo o povoado comprava em sua loja. Além
disso, já não precisava mais viajar, pois os fabricantes lhe enviavam
seus pedidos. Ele era, também, um bom cliente. Com o tempo, as pessoas
dos povoados vizinhos passaram a comprar na sua loja de ferragens,
pois preferiam isso, a ter que gastar dias em viagens. Certo dia, ele
procurou um amigo que era torneiro mecânico e ferreiro, perguntando se
ele poderia fabricar as cabeças dos martelos. Com a resposta positiva
do amigo, Juvenal não precisou mais comprar martelos na cidade, pois
passou a produzir, de forma terceirizada, a sua própria marca. E daí
para a produção de chaves de fendas, alicates e talhadeiras, dentre
outras ferramentas, além dos pregos e parafusos, foi só questão de
algumas semanas. Em poucos anos, nosso amigo Juvenal se transformou,
com seu trabalho, em um rico e próspero fabricante de ferramentas.

Um dia, decidiu construir e doar uma escola ao povoado. Nela, além de
aprender a ler e escrever, as crianças aprenderiam também algum
ofício. No dia da inauguração, o prefeito lhe entregou as chaves da
cidade, abraçou-o emocionado e disse: "É com grande orgulho e gratidão
que lhe pedimos que nos conceda a honra de colocar a sua assinatura na
primeira página do Livro de Atas desta nova escola" . Envergonhado,
Juvenal confessou ao prefeito: "A honra seria minha, seria o que mais
me daria prazer, assinar o Livro, mas eu não sei ler nem escrever, sou
analfabeto" . "O senhor?" , exclamou o prefeito, sem acreditar. "O
senhor construiu um império industrial sem saber ler nem escrever?
Estou abismado. "Caramba, fico imaginado o que o senhor seria, se soubesse ler e
escrever!" . "Isso eu posso responder" , disse Juvenal, calmamente.
"Se eu soubesse ler e escrever, eu ainda seria o PORTEIRO DO PUTEIRO".

*

Geralmente as mudanças são vistas como adversidades, mas as
adversidades podem ser bênçãos. As crises estão cheias de
oportunidades. Se alguém lhe bloquear a porta, não perca tempo com
discussões. Procure as janelas. Lembre-se da sabedoria da água, que
nunca discute com seus obstáculos, somente os contorna. Que a sua vida
seja cheia de vitórias. Não importa se são grandes ou pequenas, o que
importa é comemorar cada uma delas. Não há como comparar o que se
perde por fracassar e o que se perde por não tentar.

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